Inspiração e expiração...

A pergunta
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Estava eu, num belo dia, numa sala de aula não tão bela assim. O professor estava falando empolgadamente sobre certo assunto e eu estava dando uma olhada no texto que devia já ter lido. De repente, o professor me surpreende:
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– Renata, o que é o amor?
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Fiquei tão perdida com a pergunta que a minha cara deve ter sido realmente engraçada. Felizmente, o professor não era uma criatura obtusa como as que por vezes surgem nas universidades federais[1] e reparou que eu não iria conseguir elaborar uma frase qualquer que fosse. Assim, ele continuou com a aula como se aquilo nunca tivesse acontecido. Depois eu ouvi piadinhas, mas, sinceramente, poderia ter sido pior.
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Falaram que eu deveria ter recitado o “Soneto da Fidelidade”[2], mas confesso que ele não seria a minha escolha. Gosto muito de Vinícius de Moraes, porém tenho minhas discordâncias em relação a esse poema em especial. Falaram mais ainda do poema de Luis Vaz de Camões[3], mas o problema que vejo nele é o mesmo. A metáfora não me convence. Essa história de fogo e chama não me remete ao amor, apenas à paixão. Essas coisas podem até estar relacionadas, mas isso não é regra. Há muitos tipos de amor, muitos tipos de paixão e sentimentos são coisas confusas.
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Estou escrevendo sobre essa história por causa de um comentário do Raphael. Ele me disse que agora eu seria capaz de responder a pergunta. Na hora não falei nada, havia assunto de sobra e acho que ninguém deve ter reparado que eu levei a sério o que ele tinha falado. Pensei um pouco e reparei que não saberia responder. Pensei mais depois e reparei que continuo não podendo responder e que provavelmente nunca serei capaz. Não do jeito que eu gostaria. Mas...
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A resposta
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Queria saber escrever poesia. Queria saber escrever bonito. Queria poder me expressar de verdade. Queria ter um vocabulário suficientemente grande para poder explicar sentimentos sem engasgar.
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Mas me contento em me esquecer da vida olhando pela janela do ônibus. Em derrubar as coisas no chão. Em me perder em pensamentos a ponto de não ouvir me chamarem. Em não lembrar o óbvio. Em fazer cara de boba. Em fazer papel de boba. Em não conseguir prestar atenção em mais nada...
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O melhor é que eu não apenas me contento...
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[1] Já que estudo em mais de uma, tomei a liberdade de colocar no plural. Minha intensão, no entanto, não é generalizar, afinal, não me esqueci de que “toda modelo é burra”. Digo... Toda generalização é burra.
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[2] Soneto da Fidelidade
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De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
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[3] Amor é fogo que arde sem se ver
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Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
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É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
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É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
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Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

4 comentários:

  1. o amor... não vale a pena ser mencionado. ele não existe. na verdade, é um desejo doido que temos de sentir algo maior que nós. mas que não existe. que a gente só procura e idealiza. é. amor é idealização. se vc acha que ele se tornou real, ele já não existe mais. pq o amor teria que ser perfeito. e ele nunca é do jeito que deveria ser. não depois que sair de nossas cabeças e passar para a ação. ainda bem que existe a paixão. que, por sinal, é muito bem descrita nos poemas que vc mencionou. pena que as pessoas tenham vergonha de viver de paixão. ela não é pior. ela só é mais concreta. ela dói. e ela alivia.

    tchau.

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  2. É aquela velha história...

    Amor não é para ser posto em palavras, pois é imenso e indescritível (para aqueles que amam).

    E como na vida, cada um tem o seu ponto de vista.

    Surpresas como esta servem para refletir, na maioria das vezes.

    Agora, podemos não definir o amor, mas isso não significa que ele não exista na nossa vida...

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  3. Não devemos ter pretensões de explicar o que é o amor, e nem porque o sentimos... O amor simplesmente está ai, para quem se dispor a olhar para dentro de si mesmo...

    De todo modo... nessas horas não se questiona, simplesmente se ama

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  4. nossa, pensei nesses dois poemas esses dias! juro, pensei que tinha que decorar pelo menos dois poemas para a posteridade. aí escolhi esses dois :)

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