Sensibilidade enfraquecida...

A Casa
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Ontem eu sonhei com a casa de Itapema. Fazia muito tempo que meus pensamentos não viajavam até lá. Quando acordei, lembrei da primeira vez, aquele sonho estranho... No meu sonho eu acordava e via um rosto na minha frente. Um homem de cabelos, olhos e bigodes castanhos. Parecia vir de uma outra época. Aliás, nada naquele sonho pertencia a uma época definida.
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Não sei bem ao certo quando foi a última vez que eu visitei aquela casa. Eu tinha cinco anos, no máximo. E sonhei com ela muito tempo depois. Aquelas paredes de madeira ora pintadas de branco, ora de verde clarinho, com os rodapés sempre em marrom. Aquela sala quase vazia de móveis, aqueles quartos, aquele quintal ao fundo com uma cerca pequena, também de madeira, que tinha um portãozinho para a casa da vizinha. Vizinha que reclamava quando as crianças (eu, inclusive) brincavam com a mangueira. Ela era também a dona da casa onde estávamos e minha vó alugava sempre aquela mesma casa, não sei bem o porquê, já que ela não gostava da dona...
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Na verdade, não posso dizer que minha vó sempre alugava aquela casa. Não tenho muita certeza sobre quantas vezes fui lá, embora tenha vagas lembranças de retornar no verão seguinte e esperar por um retorno que nunca veio. Bom, veio em sonhos.
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Meu primeiro sonho com a casa de Itapema foi assustador e intrigante. Aquela presença masculina me assustou, mas ele parecia me conhecer a tanto tempo... Eu levantei, andei pela casa relembrando todos os momentos passados ali e percebi que eu já não era eu mesma. Eu havia vivido uma vida muito longa depois daquilo tudo, era mais alta que eu mesma, mais madura que eu mesma, mais consciente de mim que eu mesma... Foi uma sensação nova, diferente, intrigante. Eu era tanto e não sabia como isso tinha acontecido. Então, ele se aproximou e, sem uma única palavra, me guiou novamente até a cama. Eu deitei, olhei mais uma vez nos olhos dele, exatamente como naquele primeiro momento e, com a lembrança daquele choque, eu acordei. Simplesmente acordei.
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Durante muitas noites, eu ansiei por voltar a sonhar com aqueles olhos e esqueci da casa de Itapema. Procurei o dono em minhas lembranças e nunca o encontrei. Procurei o dono em desconhecidos, mas também não obtive sucesso. Algum tempo depois, voltei a sonhar com a casa de Itapema e sonhei algumas vezes desde então. Mas raramente ele está lá. Eu mesma nunca mais me senti como naquele sonho...
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No meu sonho de ontem tive a impressão de tê-lo visto, mas ele não olhou para mim. De longe, ele me pareceu mais jovem e pensei que talvez ele viva de trás para frente. Agora me recordo que eu mesma estava mais jovem nesse sonho que no daquele de tantos anos atrás. Talvez eu nunca chegue àquela idade tão perfeita em seu equilíbrio de corpo, mente e espírito. Talvez meu conforto de olhos brilhantes e aspecto de príncipe (ou de mocinho da novela das seis) nunca chegue a mim. Talvez eu o procure com mais força nos sonhos que na realidade. Às vezes eu penso que já o achei, mas o perdi. Então eu lembro que, no sonho, os cabelos eram mais claros ou que ele não era tão esguio...
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Eu ainda lembro com exatidão daquele rosto com que sonhei há tantos anos. E sei que nunca irei encontrá-lo na realidade. Ele tinha sua própria luz e não precisava de nada além da sua própria existência para se fazer compreendido. Eu mesma não era eu naquele sonho... Espero que ele tenha sonhado a mesma coisa, assim, um dia visitarei a casa de Itapema para lembrar de dias felizes na praia e reencontrarei um velho amigo.

Um comentário:

  1. Um sonho, uma lembrança.
    Uma boa lembrança, que é visível.

    E para ter tido uma lembrança tão agradável depois de tanto tempo...

    Mas uma coisa é: sempre olhamos as lembranças como algo de bom que passou, e que provavelmente nunca voltará.

    Mas, elas sempre irão nos deixar feliz, a cada lembrança feita.

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