Luíza...

Como uma canção
As coisas na vida ocorrem de modo imprevisível. O romance começa a surgir naquele momento em que nada se espera e olhos se encontram e, de repente, não a mais nada que se possa fazer para mudar o inevitável. E assim surge um grande amor. Paquera, namoro, noivado, casamento, filhos. E que assim seja.

Tudo isso, aliado com a vontade de obter sucesso profissional, era o futuro perfeito desejado por Luíza.

Luíza. A boneca mais linda que loja alguma jamais vendeu. A doçura que todo o açúcar do mundo não iguala. O sorriso que nenhum aparelho é capaz de imitar. O pavor interno que é maior que a soma dos piores momentos de todos os melhores filmes de terror e suspense.

Luíza teve a vida correta, cheia de virtudes e fiel aos seus princípios, que seus pais sonharam para ela. Sonhos e mais sonhos. Sonhos altos, mais altos que as nuvens. Sonhos com a beleza e a simplicidade de borboletas. Sonhos deles e sonhos dela. Pesadelos dela.

A menina mais esforçada da escola. Incapaz de obter uma nota razoável que fosse. Sem direito à ajuda de professor particular nem à escola especial. A menina que sorria bobamente do que quer que fosse. Era feliz e por isso sofria, sofria porque não podia rir, porque rir é errado. A menina mais bonita da rua. Sua vida social era nula, poderia ser a mais bonita da cidade e não saberia, não se sentia confortável em lugar nenhum.

Nada mais adianta para Luíza. Ela não se esforça mais, ela não sorri mais, ela não é mais bonita. Luíza é tédio. É mansidão, é lerdeza, é preguiça, é vazio.

Luíza estava próxima de alcançar um dos seus sonhos. Ela ia casar. Ia casar bem. Rapaz bonito, próspero, de boa família. Luíza não apenas sorria, lançava olhares; não apenas era bonita, era charmosa; não era apenas esforçada, era apaixonada. Ela foi, ela se atirou.

E quanto mais alta é a subida mais vertiginosa é a queda. E o sonho de Luíza era alto, era alto demais para aquela menina, era fantasioso, era a fuga que ela sempre quis fazer e que, sem que se pudesse evitar, tomara conta de seu corpo e de sua alma.

A energia que emanava de Luíza encarou a realidade e contaminou-se com a poluição do mundo. O olhar tornou-se distante. O sorriso escondeu-se atrás de lábios cerrados. Os cabelos- aquele véu sedoso - tornaram-se ervas daninhas. O brilho da pele ofuscou-se. O som de seus passos mudou de ritmo, a leveza dos pássaros deu lugar a mais soturna marcha fúnebre. As mãos tornaram-se quietas. E Luíza deixou de ser boneca, tornou-se mulher sofrida.

Não há mais família para acalentar Luíza. Não há pai para sonhar por ela. Não há mãe para esconder seus defeitos. Não há mais casa bonita para abrigar Luíza. Não há mais quarto só dela. Não há nada que seja dela. Existe apenas aquela criança que berra. E Luíza também berra, embora calada.

E o rádio ligado do vizinho é o único indício de que o mundo não parou. Luíza não conhece aquela música e não se importa em aprendê-la. Ela não presta atenção. Como nunca prestou Luíza.

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